sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Índios charruas

 

Na década de 1960, fui a cidade de Rio Grande com meu pai e nos hospedamos no Hotel Charrua, em frente a Praça Xavier Ferreira, a duas quadras do porto. Acho que foi para alguma festa familiar. Ao longo da viagem, ouvi alguém falar a respeito dos bravos e altivos charruas, exímios cavaleiros, e fiquei fascinado. Acho que existiam algumas gravuras desses índios enfeitando as paredes do hotel e um parente me falou a respeito.

Eu era um guri de 10 anos de idade e, mais de 50 anos depois, revivo esse fascínio lendo Uruguaiana: Terra Charrua, do historiador uruguaianense Dagoberto Clos. Pequeno livro (66 págs.) que sintetiza as características e trajetória da nação charrua no pampa, sua resistência em relação aos invasores europeus e sua dissolução enquanto grupo organizado. Décadas atrás a FUNAI deu a etnia como extinta, mas em 2007 voltou a reconhece-la e hoje calcula que existam cerca de 6 mil charruas na Argentina, Uruguai e Brasil. Uma história difícil de contar.

O primeiro contato dos europeus com charruas se deu no final do século XVI, por meio da expedição de Juan de Zarate, e o capelão registrou como suas principais características “a velocidade, a pontaria com lança e boleadeira e a coragem”. No final do século XVIII, um militar espanhol (Felix de Azara) os descreveu como “altivos, soberbos e ferozes”.

Os charruas não se submeteram ao projeto jesuítico (não aceitaram a catequese nem, muito menos, deixaram o seu estilo de vida nômade para viverem em reduções), mas assistiram fascinados a chegada dos cavalos trazidos pelos padres e cedo se tornaram exímios cavaleiros. Como resistiam ao avanço das missões jesuíticas (braço religioso do colonialismo da Espanha), foram utilizados pelos portugueses da Colônia de Sacramento em seu enfrentamento com o Império espanhol. Mais tarde, participaram do exército de Artigas e, depois deste ser derrotado, foram alvo de um projeto de extermínio do primeiro presidente do Uruguai, Frutuoso Rivera, em 1830.

Quando os luso-brasileiros chegaram na Campanha (a partir da guerra de conquista de 1801), não melhorou a sorte dos charruas. No processo de formação das estâncias não tiveram lugar especial, isto é, condições de manter seu estilo de vida, nem no Uruguai e Argentina, nem no Rio Grande do Sul. Participaram das guerras das novas nações em formação, mas pouco ganharam com isso além do prazer de pelear. Dissolveram-se enquanto nação indígena e se miscigenaram com os povos invasores.

Até das tropas farroupilhas os charruas participaram, afirma o autor, que não encontrou bibliografia a respeito da trajetória charrua a partir de então. Isto é, o livro não contempla a história dessa etnia da segunda metade do século XIX em diante e o autor encerra sua abordagem comentando os escassos registros sobre descendentes charruas em Uruguaiana. Especialmente, o autor relata suas entrevistas com indígenas que ainda vivem – como Marinildomar de Barros Costa, 64 anos, “que ainda mantém certos usos, costumes e tradições dos Charrua”.

Nada fácil historiar uma nação indígena que foi massacrada e que, mesmo assim, subsiste nos usos e costumes do homem do campo, especialmente na Campanha (em Uruguaiana, como enfatiza o autor, onde a charrua Marinildomar continua receitando plantas medicinais de uso indígena para quem a procura). Um povo nativo do pampa que se transformou numa entidade mítica, importante na nossa fabulação a respeito de um Rio Grande heroico.



[i] Artigas talvez tenha sido o único general a prometer alguma coisa aos charruas. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário