Na década de 1960, fui a cidade de Rio Grande com
meu pai e nos hospedamos no Hotel Charrua, em frente a Praça Xavier Ferreira, a
duas quadras do porto. Acho que foi para alguma festa familiar. Ao longo da viagem,
ouvi alguém falar a respeito dos bravos e altivos charruas, exímios cavaleiros,
e fiquei fascinado. Acho que existiam algumas gravuras desses índios enfeitando
as paredes do hotel e um parente me falou a respeito.
Eu era um guri de 10 anos de idade e, mais de 50
anos depois, revivo esse fascínio lendo Uruguaiana: Terra Charrua, do
historiador uruguaianense Dagoberto Clos. Pequeno livro (66 págs.) que
sintetiza as características e trajetória da nação charrua no pampa, sua
resistência em relação aos invasores europeus e sua dissolução enquanto grupo
organizado. Décadas atrás a FUNAI deu a etnia como extinta, mas em 2007 voltou
a reconhece-la e hoje calcula que existam cerca de 6 mil charruas na Argentina,
Uruguai e Brasil. Uma história difícil de contar.
O primeiro contato dos europeus com charruas se deu
no final do século XVI, por meio da expedição de Juan de Zarate, e o capelão
registrou como suas principais características “a velocidade, a pontaria com
lança e boleadeira e a coragem”. No final do século XVIII, um militar espanhol (Felix
de Azara) os descreveu como “altivos, soberbos e ferozes”.
Os charruas não se submeteram ao projeto jesuítico
(não aceitaram a catequese nem, muito menos, deixaram o seu estilo de vida nômade
para viverem em reduções), mas assistiram fascinados a chegada dos cavalos
trazidos pelos padres e cedo se tornaram exímios cavaleiros. Como resistiam ao
avanço das missões jesuíticas (braço religioso do colonialismo da Espanha),
foram utilizados pelos portugueses da Colônia de Sacramento em seu
enfrentamento com o Império espanhol. Mais tarde, participaram do exército de
Artigas e, depois deste ser derrotado, foram alvo de um projeto de extermínio do
primeiro presidente do Uruguai, Frutuoso Rivera, em 1830.
Quando os luso-brasileiros chegaram na Campanha (a
partir da guerra de conquista de 1801), não melhorou a sorte dos charruas. No
processo de formação das estâncias não tiveram lugar especial, isto é,
condições de manter seu estilo de vida, nem no Uruguai e Argentina, nem no Rio Grande do
Sul. Participaram das guerras das novas nações em formação, mas pouco ganharam com
isso além do prazer de pelear. Dissolveram-se enquanto nação indígena e se
miscigenaram com os povos invasores.
Até das tropas farroupilhas os charruas
participaram, afirma o autor, que não encontrou bibliografia a respeito da
trajetória charrua a partir de então. Isto é, o livro não contempla a história
dessa etnia da segunda metade do século XIX em diante e o autor
encerra sua abordagem comentando os escassos registros sobre descendentes
charruas em Uruguaiana. Especialmente, o autor relata suas entrevistas com indígenas que
ainda vivem – como Marinildomar de Barros Costa, 64 anos, “que ainda mantém
certos usos, costumes e tradições dos Charrua”.
Nada fácil historiar uma nação indígena que foi
massacrada e que, mesmo assim, subsiste nos usos e costumes do homem do campo, especialmente
na Campanha (em Uruguaiana, como enfatiza o autor, onde a charrua Marinildomar continua
receitando plantas medicinais de uso indígena para quem a procura). Um povo nativo do pampa que se transformou numa entidade mítica, importante na
nossa fabulação a respeito de um Rio Grande heroico.
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