Lembrei dos meus amigos (Orlando Fonseca, Antônio
Cândido, Raul Maxwell e Tex Júnior) ao ler a biografia de Lupicínio Rodrigues,
escrita por Mário Goulart, numa antiga coleção da Editora Tchê![i]
Em nossas reuniões semanais do bar da Lurdinha, volta e meia eles comentam a
passagem de Lupicínio Rodrigues por Santa Maria e o fato dele ter composto “Felicidade”
quando morava aqui. Conversa de bar sem a precisão de uma referência
bibliográfica e que me deixava curioso quanto aos detalhes dessa passagem.
Pois agora tenho algumas informações mais precisas, colhidas no pequeno livro de Mário Goulart: quando o compositor servia no Exército, ele foi enviado para cá. O rapaz (nascido no bairro da Ilhota, em Porto Alegre, em setembro de 1914) não era dado ao estudo nem ao serviço. O pai, Francisco Rodrigues (porteiro da Escola de Comércio), matriculou o filho na Escola Técnica Parobé, com a esperança de fazê-lo um mecânico, mas não deu certo. Nem a escola nem o estágio de aprendiz na Companhia Carris Porto-Alegrense serviram para dar um rumo ao guri. Então seu Francisco decidiu colocar o rapaz como “voluntário” no Exército brasileiro (7º Batalhão de Caçadores) e Lupicínio ficou nessa função por uns cinco anos.
Antes de completar 16 anos (antes da Revolução de
1930, então) o rapaz é promovido a cabo e transferido para Santa Maria. Fica na
cidade até 1935, quando volta a viver em Porto Alegre.
Nesses cinco anos santa-marienses, ele conhece
Inah, o seu primeiro amor, que lhe inspira “Zé Ponte”: “Uma cabocla / que
trabalha ali defronte / carregando água da fonte / (...). / E cada vez / que
ela carrega um balde d’água / leva junto a minha mágoa / pendurada em sua mão.”
Lupicínio engata um noivado com a moça, mas o
casamento não se realiza (o rapaz não larga a boemia) e Inah se casa com outro.
Anos depois, em Porto Alegre, Lupicínio a encontra numa festa de N. Sra. dos Navegantes
de braço com o marido e a situação lhe inspira uma de suas obras-primas, “Nervos
de aço”: “Você sabe o que é ter um amor, meu senhor / ter loucuras por uma
mulher / e depois encontrar esse amor, meu senhor / nos braços de um outro
qualquer?”
Em Santa Maria ele também conhece aquela que será a
sua segunda esposa, Cerenita Quevedo, então com 2 anos de idade. Lupicínio
casa-se com ela 18 anos depois (em 1949) – ela com 20; ele, com 35 anos.
Também em Santa Maria Lupicínio compõe “Felicidade”,
gravada pela primeira vez em 1947, pelo quarteto Quitandinha Serenaders e, mais
tarde, em 1974, por Caetano Veloso. Nessa composição, o poeta se refere a uma
felicidade que se foi embora e de uma saudade “lá de fora”, onde “a falsidade
não vigora”. Falsidade que impera na triste cidade em que ele vive...
[i] GOULART,
Mário. Lupicínio Rodrigues: o poeta da dor-de-cotovelo, seus amores, o boêmio
e sua obra genial. P. Alegre: Tchê! / RBS, 1984. 102 p. Coleção Esses Gaúchos.
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