Viver em prédio de apartamentos tem as suas peculiaridades. Estamos mais pertos dos vizinhos do que vivendo numa casa – ou, ao menos, é essa a minha experiência. Morei numa casa com quintal até os onze anos de idade, em Pelotas, e nem sabia o que se passava nas casas ao lado.
Morava na chamada Zona do Porto, uma região bastante
urbanizada, abria a porta da rua e dava na calçada. Hoje, abro a “porta da rua”,
dou num corredor e me deparo com as portas de outros dois outros apartamentos. Às
vezes, pelos ruídos que escuto, sou capaz de dizer se os vizinhos estão em casa
ou não.
Em 1967, minha família se mudou de Pelotas para Porto
Alegre e desde então vivo em apartamento. No primeiro deles (na Rua Sete de
Abril), eu chegava na janela da sala e dava para um espaço interno de
quarteirão. Para frente, as paredes de um prédio de dois andares e um pequeno
pátio com várias janelas abrindo-se para ele. Abaixo da minha janela, o pátio
do apartamento térreo do meu prédio, onde eu enxergava a vizinha cantarolando e
estendendo roupa no varal.
Esse primeiro endereço era num prédio de três andares
(morávamos no primeiro) e tenho a impressão de que suas paredes eram grossas. Ou,
ao menos, possuíam uma vedação acústica bem feita, pois não recordo de ruídos da vizinhança atravessando as paredes. Muito diferente do que vivenciei
tempos depois.
Muitos anos depois, já vivendo em Santa Maria, eu escutava
a vizinha que morava acima do meu quarto, quando ela transava com o marido. Jovem
recém casada, ela gemia de um modo peculiar, com um gemido fino, muito semelhante
a um miado. Um som inusitado. Atravessava as paredes, nas horas mais
improváveis da noite.
Morei quinze anos nesse apartamento e não recordo de
outros gemidos ou gritos de cena sexual do quarto de cima ou abaixo do meu. Não
era um prédio de construção barata, mas certamente não tinha a vedação acústica
que os prédios mais antigos parecem ter.
Hoje, a lembrança da vizinha miando é engraçada.
Na época, às vezes desconcertava. Eu estava lendo na cama, a minha companheira
ao lado dormia (ou tentava conciliar o sono), e súbito éramos lembrados da vida
sexual dos vizinhos. Minha mulher abria o olho, virava para mim, fazia uma cara
de “pô, me acordou” e aguardávamos os minutos de praxe para o encerramento da função.
Viver em prédio de apartamentos tem dessas coisas:
essa proximidade às vezes constrangedora. Um pouco cômica, outras vezes. E escrevo
sobre isso lembrando da minha casa em Pelotas, onde, deitado na minha cama de
menino (no quarto que dividia com meus dois irmãos, com janelas para as ruas
Uruguai e Santa Cruz), às vezes eu escutava um gato miando na calçada,
certamente correndo na direção de um muro, para o qual saltava num movimento
ágil.
Um miado de gato na imensidão da noite, que minha
imaginação de menino procurava dar forma e brilho... como, mais tarde, aos
escutar os gemidos da vizinha, o adulto que me tornei dava movimento e gestos
ao casal do apartamento acima do meu.
A casa da infância, com janelas para as ruas Uruguai e Santa Cruz. |
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