Tenho o costume de folhear guias de museu e de viagem, enquanto tomo café. Outro dia, na mesa da cozinha, abri um guia de Roma e dei com a Fonte da Barcaça (Fontana della Bracaccia), bela escultura de uma barca afundada, encomendada pelo Papa Urbano II, no início do século XVII. Obra dos Bernini, o pai e o filho.
Fonte da Barcaça, na Praça de Espanha. |
Os papas foram responsáveis por grandes obras na cidade e muitas existem até hoje. As fontes se destacam - a Fontana della Bracaccia e, especialmente, a Fontana di Trevi, mandada construir pelo Papa Clemente XII, no século XVIII.
Quando estive em Roma pela primeira vez estava num
grupo de brasileiros e um colega se incomodou com a suntuosidade das obras
patrocinadas pela Igreja. Havíamos acabado de visitar a Fontana di Trevi, eu
estava deslumbrado, e ele se disse enojado com a riqueza dos papas. Olhei para
ele espantado e comentei que “a opção preferencial pelos pobres nunca esteve na
pauta da Igreja tradicional”. Não lembro o que ele respondeu.
Meu colega é descendente de família de imigrantes italianos
(da Quarta Colônia) e imagino que foi criado com uma visão muito rude da Igreja.
Dessa maneira, difícil entender que o alto clero católico sempre se comportou como
príncipes e barões, voltados ao poder e ao luxo.
Nos Evangelhos há uma valorização da pobreza, mas essa
nunca foi a preocupação central dos bispos e papas ao longo da História. E a
Igreja que vamos visitar em Roma – a Basílica de São Pedro, os Museus do Vaticano
– é justamente essa do poder e do esplendor, de um poder político que se expressa
em obras artísticas magníficas, feitas para embasbacar os reles mortais. Obras
de um poder sem freios como o de qualquer Estado que se propõe a disputar um
lugar de destaque entre as nações.
Facilmente nos esquecemos que a construção da Basílica
de São Pedro (a partir do século XVI) foi financiada com a venda de
indulgências – um negócio pra lá de fraudulento (vender perdão divino para garantir
a vida eterna) – e nem lembramos que Júlio II, o papa que chamou Michelangelo
para pintar a Capela Sixtina, era também um general que comandava pessoalmente
os exércitos papais em guerras de conquista (sendo muito exitoso, por sinal,
quanto ao aumento territorial dos Estados Pontifícios). Uma Igreja venal,
corrupta e militarizada.
Na década de 1960, o Papa Paulo VI (com a herança do Concílio
Vaticano II a lhe pesar nas costas) chegou a se referir a uma mudança da Igreja
em relação à riqueza e ostentação. Preocupou-se quanto ao modo crítico como o mundo
observava a Igreja “com relação à pobreza e à simplicidade de viver” e pareceu
dar prosseguimento às propostas estabelecidas pelo Vaticano II, mas
não foi muito longe.[1] Difícil
mudar uma instituição milenar que, mesmo com tantos vícios, foi e é plenamente
exitosa do ponto de vista político e financeiro. Talvez nem o Papa Francisco
consiga.
Mas essa crônica não é para dar conta da complexa
história da Igreja. É apenas sobre uma das suas construções magníficas, a Fonte
da Barcaça, na Praça de Espanha, no centro histórico de Roma. Reza a lenda que,
numa das inundações do Rio Tibre, uma barca afundou no local e ali ficou
encalhada. A escultura dos Bernini – de Pietro (o pai) e Gian Lorenzo (o filho)
– concretiza essa lenda. Uma das tantas fontes da cidade. Belíssima. Hoje, no
entanto, muitos turistas passam por ali e nem dão bola, deslumbrados que estão
com as lojas de grife no entorno da praça: Dior, Valentino e outras, que nem lembro.
Vitrine da Dior, na Praça de Espanha. |
[1] O trecho entre aspas faz parte de uma frase de Paulo VI, citada nas resoluções do Congresso de Medellin
(1968), o congresso do episcopado latino-americano que pretendeu avançar quanto
ao Concílio Vaticano II e instituiu a opção preferencial pelos pobres.
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