Não é exagero dizer que a maioria da população brasileira não se preocupa com o lixo – em especial com os resíduos plásticos, que tem sido uma das pragas de nossas praias. Anos atrás, assisti a um grupo de estudantes do Curso de Oceanografia (da FURGS) realizar uma coleta de lixo na praia do Cassino e me impressionei com o que eles juntaram. Pelo que entendi, além de lixo deixado por veranistas, era também material que a tripulação dos navios joga ao mar e as ondas trazem até a areia da praia.
No arquipélago de Fernando de Noronha, porém, esse cuidado com o lixo – em especial com o plástico – é alvo de preocupação extremada e desde abril de 2019 vigora um decreto que proíbe o uso de “plásticos descartáveis, como copos, pratos, canudos, sacolas, talheres e garrafas com menos de 500 ml”. Um decreto que deu origem a uma campanha denominada "Plástico zero".
No aeroporto, presenciei um funcionário chamando a atenção de um turista que
desembarcava com sacolas plásticas e senti o vigor da campanha. O funcionário pediu que o visitante se desfizesse
do material e senti que estava ingressando num espaço diferenciado do território brasileiro.
Mais tarde, na fala dos guias, no passeio ao Memorial
Noronhense (que privilegia a história da Ilha, mas também reserva um setor para
o lixo coletado nas praias e no mar), fui me dando conta de que o tema não é
apenas preocupação das autoridades, mas é abraçado pela população em geral. Durante
um passeio de barco no entorno da ilha, esse cuidado ficou bem explicitado.
Devido ao vento forte do alto mar, uma senhora perdeu
a viseira de proteção solar e logo um tripulante do barco veio resgatá-la. A senhora disse
que se tratava de um simples chapéu de praia e que ele
não se preocupasse. Todos nós vimos a viseira boiar sobre as ondas do mar e
acho que ninguém considerou que fosse importante retirá-la das águas. Mas o marujo,
gentilmente, disse que era material estranho ao mar e que poderia causar dando
a fauna e flora marinhas. A senhora ficou de queixo caído com as explicações (literalmente de queixo caído – era uma
senhora muito divertida, com expressões e dizeres exagerados e engraçados) e concordou completamente
com o homem.
A partir daí, todos nós assistimos ao marujo pegar uma
vara com um gancho na ponta e “pescar” a viseira. Ele gritava para o condutor do
barco manobrar, dar uma ré, colocar a embarcação próximo ao boné para ele alcançá-lo com a vara. Uma operação que realizou com muita
calma e pleno êxito: a viseira foi apreendida pelo gancho da sua vara.
Cena do mar, durante o passeio. |
Ao final, aplausos gerais e risos (para a "vara do marujo"). Uma aula de cuidados ambientais. Uma experiência digna da preocupação ecológica que domina o arquipélago e é abraçada tanto pelas autoridades quanto pela população local. Não é de graça que o local é considerado um paraíso.
Adendo: após escrever essa entusiástica crônica a respeito do preservacionismo ambiental em Fernando de Noronha, assisti a trecho de um vídeo de funcionário do Ministério do Turismo ironizando as preocupações do ICMBio quanto ao arquipélago (e provocando gargalhadas do auditório). Procurei mais informações e constatei que as orientações do ministérios do Meio Ambiente, da Agricultura (por meio da secretaria da pesca) e também da EMBRATUR são no sentido de reverter as políticas ambientais no arquipélago: liberar a pesca da sardinha (espécie-chave da cadeia alimentar da fauna marinha) e permitir a atracagem de cruzeiros com 600 passageiros, por exemplo.
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