Fui ao campus da UFSM dias atrás (precisava de um
documento do setor de pagamentos, na Reitoria) e escrevo para registrar essa
visita. As universidades federais passam por cortes de verbas bastante
rigorosos e foi nisso que pensei o tempo inteiro. Na Reitoria, fui atendido por
um rapaz que desconfiei fosse um estudante bolsista e perguntei a respeito. Ele
respondeu que sim e acrescentou que cursava Tecnologia de Alimentos.
Depois que me atendeu, conversamos a respeito da
universidade e ele disse que os laboratórios do curso já estão com o funcionamento
prejudicado por conta dos cortes orçamentários. Falou sem indignação e imaginei
que as precariedades do sistema educacional brasileiro não abatem o seu ânimo. Está
calejado ou (hipótese mais provável) está muito satisfeito com a sua condição
de aluno de um curso que entende que o prepara para um futuro promissor. Falou
da indústria de alimentação em crescimento, da necessidade de profissionais
qualificados e deu a entender que se imagina um desses profissionais.
Um rapaz otimista, um rapaz preparado para a dureza do
mundo, pensei, que talvez o governo – com o seu projeto de desmantelamento da
universidade pública como a conhecemos – não consiga esmorecer.
Mas isso não acontece com todos. O custo humano da
política governamental – suspendendo concessão de novas bolsas para alunos de
pós-graduação, por exemplo – já se faz sentir, ceifando projetos e sonhos. Semanas
atrás, soube de uma estudante que foi classificada em um programa de mestrado, iniciou
o curso, contava com a concessão da bolsa devido à sua pontuação, mas foi
informada que novas bolsas não serão concedidas.
Conheço essa situação muito bem, vivi algo parecido em
1990, com o Governo Collor. Ingressara no Mestrado em Letras, na PUC/RS, e também as bolsas foram suspensas. Cheguei a cursar as disciplinas dois
meses, entusiasmadíssimo, mas logo a coordenação avisou que o Governo cortara as bolsas, recebi os boletos
das mensalidades e cai fora.
Felizmente, nesse meu caso, a situação foi concertada um
ano e meio depois. A coordenadora me chamou (sua secretária me ligou –
telefonema inesquecível), o curso voltara a ter bolsas de estudo e retornei à sala
de aula. Em dois anos conclui as disciplinas, realizei a pesquisa e defendi a dissertação. Um passo
fundamental na minha trajetória profissional e também pessoal.
Hoje, não imagino o que possa acontecer com os estudantes
que passam por situação semelhante, isto é, que vivem
na carne a suspensão das bolsas e o aniquilamento de projetos arduamente construídos. Não sei qual será o desdobramento
dessa política agressiva do Governo Bolsonaro em relação às universidades
federais. É certo que a nova orientação econômica – excessivamente neoliberal –
não tem interesse algum na expansão do ensino público superior. As notícias
desses últimos dias apontam para um retorno da concessão de bolsas, mas apenas
para os programas de pós-graduação com notas entre cinco e sete. Os cortes orçamentários,
dessa maneira, passam a reconfigurar os programas de pós-graduação e a fazer os
mestrados e doutorados dançarem a música do governo. E, em relação a juventude,
fazem a garotada piar fino, calar projetos e sonhos, e replanejar suas vidas.
Voltei do campus melancólico, naquele dia. Não tive
coragem de visitar meus antigos colegas e escrevo essa crônica para registrar
esse momento de incertezas. Restou, porém, o consolo do otimismo do bolsista. Provavelmente o guri não está se deixando abater. É um
forte, imagino, e só os fortes suportarão o vendaval neoliberal que vivemos.
Detalhe do mural "Quinhentos anos da invasão da América", de Juan Amoretti, nas paredes do CAL. Cena do massacre provocado pelo avanço da civilização europeia. |
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