quinta-feira, 16 de outubro de 2025

Hermes, motorista de aplicativo

 

Fiz uma viagem de Uber até o Shopping do Pontal e o motorista me falou da sua vida. Li no aplicativo que ele se chamava Hermes, perguntei se os seus pais gostavam de mitologia grega e ele disse que não. O nome era uma homenagem a um tio-avô. Mas disse que há pouco tempo namorou uma professora de História e ela lhe falou a respeito dessa divindade do Mundo Antigo.

Era uma mulher sofisticada e culta, recém separada, e uma amiga comum (prima da professora) fizera uma ponte entre os dois. “Ela já teve dois casamentos, que eu não entendi direito como terminaram, mas é boa pessoa, tu vais ver”, ela me disse.

Hermes foi conferir a mulher que, “apesar dos 54 anos”, estava bem na foto e gostou. Tiveram um relacionamento rápido e ele aprendeu coisas sobre mitologia grega que nem suspeitava. Afinal fora um menino de cidade do interior, estudara mal e porcamente em escola muito fraca e pouco sabia de História, quanto mais de História Antiga. Quando ela lhe contou que Hermes era o deus grego do comércio, protetor dos viajantes, ficou lembrando do seu pai, que vivia folheando enciclopédias e buscando lições na trajetória dos grandes homens, nas figuras do passado.

“Mas meu nome é por causa do tio, pequeno fazendeiro lá da região missioneira, onde nasci. Coisa que meu velho nunca foi, homem meio estranho, com a cabeça no mundo da Lua. Me incentivou pra política, me puxou para o partido dele e eu até achei que iria me achar nesse mundo, encontrar uma boca ou coisa assim”, ele explicou. Quando namorou a professora, estava ainda nessa fase da política, um dia foi para a casa dela (uma casa que fora do pai dela, comprada com muito suor), ele bebeu demais, os dois sentados numa varanda que dava para um pátio arborizado, e foi aí que ele pôs tudo a perder.

“Ela era complicada, apesar de experiente, de dois casamentos nas costas, não beijava direito, não se entregava. Eu pensei deixá-la mais relaxada com um pouco de bebida e a estratégia deu errado. Eu acabei tomando um porre e acordei estirado no sofá da sala, enquanto ela dormia no quarto que fora do pai, a porta fechada a chave, puta da vida comigo”, ele falou, rindo.

Tomei nota dessa história depois que cheguei ao meu destino (numa mesa de cafeteria) e agora repasso nessa crônica. Anotações a respeito de Hermes, que um dia militou na política partidária, não engrenou (não conseguiu um cargo, uma função remunerada, uma fatia do bolo) e hoje é motorista de aplicativo. Sabe que seu nome remete a uma divindade grega, condutor de viajantes pelos mais variados caminhos, e às vezes desconfia que está, enfim, cumprindo o seu destino: o de conduzir passageiros pelo mundo, mais especificamente pela cidade de Porto Alegre.

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