Terminei de ler “Trincheira tropical: a Segunda
Guerra Mundial no Rio”, de Ruy Castro (Cia. das Letras, 2025, 414 p.) e lembrei do que
meus pais falavam a respeito do conflito mundial. Eles nasceram na década de
1920 (o pai, em 1924; a mãe, 1925) e eu gostava de os ouvir falar a respeito
dessa guerra, que coincidiu com o tempo em que eram jovens.
O livro de Ruy é centrado na cidade do Rio de
Janeiro, mas remete ao que era vivido no Brasil inteiro e por isso a
associação. Meus pais viviam em Pelotas e igualmente experimentavam a ditadura
do Estado Novo (1937-45), a simpatia de muitas figuras do governo pelo
nazi-fascismo e a difícil transição da política externa brasileira de uma
posição pró-Eixo para uma adesão efetiva ao bloco dos Aliados (EUA,
Grã-Bretanha, URSS).
Em agosto de 1942, quando ocorreram os afundamentos
de navios mercantes brasileiros por submarinos alemães na costa do litoral
brasileiro, minha mãe tinha 16 anos, já era professora primária e lecionava no
Círculo Operário. “Alunos terríveis”, ela contava. Sabia da guerra na Europa “porque
todo mundo falava”, mas não tinha uma ideia clara do conflito. Só
compreendeu mesmo muito mais tarde, lendo livros e assistindo filmes.
Quando presenciou as depredações de lojas e
residências de alemães e italianos que ocorreram na cidade (uma reação da
população diante do afundamento de navios mercantes brasileiros por submarinos
do Eixo), ficou horrorizada. Nunca esqueceu a invasão da casa de uma das suas
professoras da Escola Complementar, filha de alemães, uma solteirona austera
que alguns passaram a chamar de “nazista”. Dizia que viu invadirem, depredarem a
sua casa e saírem carregando latas de óleo que a professora guardava na dispensa.
“Prova”, segundo os invasores, de que ela se preparava para a escassez de
alimentos que ocorreria quando o Brasil entrasse na guerra.
“E eram figuras respeitáveis que faziam e diziam
isso”, a mãe explicava, acrescentando que conhecia um dos “senhores” que saíra
carregando uma lata de óleo da casa da professora. Uma cena que ficou gravada
na sua memória e ela nunca conseguiu esquecer.
Meu pai, por sua vez, filho de imigrantes italianos
que chegaram em São Paulo no final do século XIX, nunca tocava no assunto.
Ouvia minha mãe falar e ficava mudo. Tinha 17 anos naquele fatídico agosto de 1942,
estudava numa escola católica (Colégio Gonzaga) e deve ter sentido de perto a
fúria dos brasileiros. Mas não falava. Nunca comentou o assunto.
O Brasil enviou soldados para a Itália em 1944,
para enfrentar o nazi-fascismo, e disso ele gostava de falar. Do Quinto Exército
Norte-americano, ao qual a Força Expedicionária Brasileira estava subordinada.
Da tomada de Monte Castelo. Dos pracinhas. E dos descendentes de italianos que
foram convocados, se preparam para a guerra e não chegaram a embarcar. Ele
devia conhecer alguém.
Mas meu pai morreu em 1978 e não tivemos tempo de retomar o assunto, como fiz, várias vezes, com minha mãe. Um dia perguntei a ela sobre esses descendentes de italianos que foram convocados para a FEB, se o pai conhecia alguns deles e ela não sabia. "Havia certas coisas sobre as quais o teu pai não falava", ela me disse. "O que os italianos e seus descendentes viveram, enquanto o Brasil estava na guerra com a Itália, esse era desses assuntos em que ele silenciava."
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