Minha
mãe costumava marcar missas no aniversário de morte do pai. Às vezes na Igreja
São Pedro, no Bairro Floresta, outras vezes na Igreja Santa Teresinha do Menino
Jesus, no Bom Fim. Nunca soube as razões das escolhas. Na São Pedro, certamente
porque foi a sua paróquia durante décadas; na Santa Teresinha, não sei. Mas ela
me avisava o local e o horário e, se eu pudesse, estava lá. Quando passei a
morar em Santa Maria, muitas vezes organizei viagens a Porto Alegre que
coincidiam com a data da missa. Eu não mais me enquadrava na figura do católico
praticante (desde os 18 ou 19 anos), mas ir à missa com ela era outra coisa.
Outro
dia estava caminhando no Bom Fim, passei na frente da igreja Santa Teresinha (era
fim de tarde, as portas estavam abertas, rolava uma missa lá dentro) e resolvi
entrar. É uma igreja muito bonita, em estilo neogótico (construção dos anos
1920), e caminhei até os primeiros bancos para observar o conjunto escultórico
que existe na parede dos fundos do altar: Santa Teresinha ajoelhada aos pés de
Nossa Senhora do Carmo, essa última com o Menino Jesus nos braços.`
Sta. Teresinha do Menino Jesus diante de N. Sra. do Carmo. |
Lembrei
que conversava com a mãe a respeito dessas figuras (as esculturas da igreja são
impactantes), pois mesmo não sendo mais religioso o universo do Catolicismo me
interessava. A Ordem dos Carmelitas atende a igreja e, justo nesse dia, a
liturgia era voltada a Nossa Senhora do Carmo, padroeira da congregação. A
Senhora do Escapulário, como também é conhecida, promotora desse costume de
trazer este pequeno amuleto (uma espécie de colar) junto ao peito, simbolizando
a proteção da Mãe de Deus. Costume que segui na infância.
Pois
peguei o folder com a liturgia da missa e fiquei lendo as orações a Nossa
Senhora do Carmo. Muito bonitas e até comoventes, na medida em que lia e
lembrava da minha mãe. Mas era a parte final da missa, o padre propôs uma
benção aos fiéis e eu resolvi ir embora. Aquilo não era para mim e me pareceu um
abuso eu receber uma benção. Gosto de igrejas, gosto especialmente de arte
sacra, o ambiente religioso ainda é carregado de significados para mim, mas
fico por aqui. Meu gosto e interesse é apenas estético e cultural, sem relação
com a fé e as crenças católicas. Então saí da igreja e fui caminhar pela
Avenida Osvaldo Aranha, pegar meu ônibus para voltar para casa.
Santa
Teresinha do Menino Jesus viveu na França, no século XIX, e morreu de tuberculose,
aos 24 anos. Uma das figuras da Igreja a respeito da qual tenho curiosidade.
Poucos anos atrás comprei o seu livro “A história de uma alma”, publicado logo depois
de sua morte, mas não avancei na leitura. Ela sacrificou a sua vida em nome de
Deus e às vezes conversava com a mãe a respeito dessas trajetórias extremadas
de santos... sempre um modelo para a maioria dos católicos.
Minha
mãe se preocupava com os desígnios de Deus, a vontade do Pai e “Dizer sim à
vontade de Deus” (como está escrito numa das orações a Nossa Senhora do Carmo).
“Ver nos acontecimentos a mão providente do Pai” (outra frase da oração a N.
Sra. do Carmo). Mas dentro de uma clave normal, sem os exageros da santidade,
claro. Acho que até no suicídio do marido ela procurava ver a mão de Deus, os
seus desígnios misteriosos. Eu não dizia nada quanto a isso. Quando a conversava
enveredava para a morte do seu marido (meu pai), eu me limitava a recordar (e
muitas vezes esmiuçar) os episódios reais, concretos, em torno do suicídio (a
depressão psicológica que ele viveu, a falência do Montepio da Família Militar,
empresa da qual ele era empregado e que, por razões desconhecidas, atormentou o
seu final de vida) e, aí sim, me esforçava para decifrar o que que sabia. A
vontade de Deus, essa eu ignorava e continuo ignorando.
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