A
história é mais ou menos a seguinte: a mulher está se separando, está
com a papelada do divórcio encaminhada, só falta assinar, e súbito ela acha que
poderia ter feito mais alguma coisa pelo marido.
A
vida do esposo degringolou desde que ele largou o que vinha fazendo ao longo
dos anos e resolveu ter a própria empresa. Tinha esse sonho. Tentou vários
negócios, em todos se deu mal. Gastou o que tinha e o que não tinha, se
endividou e se sentiu arrasado. Injustiçado. Perseguido por um "sistema injusto
em relação àqueles que ambicionam sair da mesmice”. Na sequência, encrencou a sua vida pessoal. Arranjou amantes esporádicas (“Para reerguer a autoestima”, justificava
para si mesmo), até que passou a chegar tarde em casa, fazer viagens
inesperadas e a esposa achou que
passara da conta. Ela se pôs a campo, descobriu que ele estava envolvido com uma
mulher mais nova e o colocou contra a parede:
–
E agora, tu tá querendo o quê? Qual é o sonho, a ambição, o projeto? Onde eu
entro nessa história?
O
marido enrolou, disse que estava numa fase difícil, e só mais tarde admitiu que
estava querendo “um tempo sozinho”. Saiu de casa, levando o único carro da
família e demorou quase dois anos para acertar a separação, a pensão para a
filha e coisas do gênero. Agora que está tudo encaminhado, a esposa pergunta para a terapeuta:
–
Será que eu não poderia ter feito mais por ele? Compreender e apoiar os seus
sonhos, a sua luta?
A
psicóloga não responde. Devolve a pergunta:
–
E não fez?
–
Será que eu fiz tudo?
–
Acho que tu deste o melhor.
A mulher ficou calada. Sua vida passou como um
filme na sua frente e ela teve certeza de que fizera o possível. Ou o que
sabia, o que estava ao seu alcance. Procurou com os olhos alguma coisa no
consultório onde fixar a sua atenção e encontrou um relógio dentro de um
círculo de porcelana azul marcando 15h20min. “Tenho mais 30 minutos de sessão
ou 40?”, pensou. Não sabia. Estava com quase 50 anos e sem a mínima ideia de quanto anos mais pela frente.
–
Sim, acho que fiz... Na verdade, dei o melhor de mim – ela disse, e apontou o
relógio.
–
Quanto tempo eu tenho? – perguntou.
A
psicóloga disse que ela não se preocupasse com o tempo da sessão, se
preocupasse com a sua vida, o seu tempo, e ela riu.
–
Sim, é nisso que estou pensando. – E passou a mão pela frente do rosto como se
afastasse uma mosca e falou de um vestido verde
que vira na vitrine de uma loja do térreo do prédio do consultório. – Um verde
muito bonito, que combinam com uns brincos de esmeraldas que comprei anos
atrás, na Colômbia. Vou comprar e usar no dia em que for assinar a papelada do
divórcio.
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