segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

Verde esmeralda

 

A história é mais ou menos a seguinte: a mulher está se separando, está com a papelada do divórcio encaminhada, só falta assinar, e súbito ela acha que poderia ter feito mais alguma coisa pelo marido.

A vida do esposo degringolou desde que ele largou o que vinha fazendo ao longo dos anos e resolveu ter a própria empresa. Tinha esse sonho. Tentou vários negócios, em todos se deu mal. Gastou o que tinha e o que não tinha, se endividou e se sentiu arrasado. Injustiçado. Perseguido por um "sistema injusto em relação àqueles que ambicionam sair da mesmice”. Na sequência, encrencou a sua vida pessoal. Arranjou amantes esporádicas (“Para reerguer a autoestima”, justificava para si mesmo), até que passou a chegar tarde em casa, fazer viagens inesperadas e a esposa achou que passara da conta. Ela se pôs a campo, descobriu que ele estava envolvido com uma mulher mais nova e o colocou contra a parede:

– E agora, tu tá querendo o quê? Qual é o sonho, a ambição, o projeto? Onde eu entro nessa história?

O marido enrolou, disse que estava numa fase difícil, e só mais tarde admitiu que estava querendo “um tempo sozinho”. Saiu de casa, levando o único carro da família e demorou quase dois anos para acertar a separação, a pensão para a filha e coisas do gênero. Agora que está tudo encaminhado, a esposa pergunta para a terapeuta:

– Será que eu não poderia ter feito mais por ele? Compreender e apoiar os seus sonhos, a sua luta?

A psicóloga não responde. Devolve a pergunta:

– E não fez?

– Será que eu fiz tudo?

– Acho que tu deste o melhor.

 A mulher ficou calada. Sua vida passou como um filme na sua frente e ela teve certeza de que fizera o possível. Ou o que sabia, o que estava ao seu alcance. Procurou com os olhos alguma coisa no consultório onde fixar a sua atenção e encontrou um relógio dentro de um círculo de porcelana azul marcando 15h20min. “Tenho mais 30 minutos de sessão ou 40?”, pensou. Não sabia. Estava com quase 50 anos e sem a mínima ideia de quanto anos mais pela frente.

– Sim, acho que fiz... Na verdade, dei o melhor de mim – ela disse, e apontou o relógio.

– Quanto tempo eu tenho? – perguntou.

A psicóloga disse que ela não se preocupasse com o tempo da sessão, se preocupasse com a sua vida, o seu tempo, e ela riu.

– Sim, é nisso que estou pensando. – E passou a mão pela frente do rosto como se afastasse uma mosca e falou de um vestido verde que vira na vitrine de uma loja do térreo do prédio do consultório. – Um verde muito bonito, que combinam com uns brincos de esmeraldas que comprei anos atrás, na Colômbia. Vou comprar e usar no dia em que for assinar a papelada do divórcio.

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