Na
sexta-feira, caminhei pelo centro de Porto Alegre e fui parar no Mercado
Público. Provei uma pasta de grãos de bico, uma espumante de Vacaria e acabei
comprando as duas coisas. Depois fui tomar um café, ler a Zero Hora e gostei
dos comentários de Rosane de Oliveria a respeito das maquinações golpistas de
Bolsonaro e seus generais.[1]
Segundo a cronista, o amadorismo desses militares nos salvou de uma ditadura
mais sangrenta que a de 1964. Mais sangrenta porque iniciaria com três
assassinatos, o de Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes. Felizmente o troço
desandou, a execução dos crimes não teve prosseguimento e agora está tudo vindo
à tona.
A
cronista da ZH considera que os fatos são estes, conforme o indiciamento
da Polícia Federal – substancialmente comprovados –, mas contestados pelos
bolsonaristas que acompanho nas redes sociais. Eles falam em “suposto golpe”,
“narrativa falsa”, “argumentação jurídica ilegal”, “acusação inconsistente,
pois o caminho do crime não foi percorrido, apenas pensado” e assim por diante.
No
Mercado Público de Porto Alegre, diante do jornal aberto sobre a mesa e de uma
xícara de café, eu lembrei de um bolsonarista conhecido (que vou chamar de
Ademar) que esteve presente nos acampamentos na frente dos quartéis, endossou o
chamamento por “intervenção militar” após a derrota eleitoral e acreditou que a
manifestação de 8 de janeiro foi um ato político de protesto “desfigurado por militantes do MST infiltrados”. Um direitista de coração, com problemas de cognição e raso
realismo político.
Pois
Ademar se afastou da militância, centrou sua atenção na atividade profissional, mas não
mudou de opinião e posição política. Nesta semana quebrou o silêncio e compartilhou postagens no
Facebook denunciando a “farsa dos comunistas que estão instrumentalizando a PF
e a mídia em geral”. Imagino que esteja impossível, vociferando indignações, e
talvez enchendo os ouvidos de Sueli (a sua nova namorada) com suas informações
e comentários oriundos dos grupos de WhatsApp. Sueli não comunga com o seu
ideário político-ideológico, mas não contesta. Às vezes contrapõe uma coisa e
outra, mas sempre com muita leveza, apenas para dizer que está ali, que tem uma
voz. Os dois têm um relacionamento sem compromisso (Ademar e Sueli são de meia
idade, ambos recém separados) e vão “devagar com o andor”, como dizem um para o
outro. Sueli acha Ademar um homem de “cepa tradicional” e tanto gosta disso
como às vezes se espanta. Ela não compartilha o mesmo ideário político, mas não
contesta. Ele considera Sueli uma mulher ousada, às vezes "meio comunista", e tanto isso o fascina quanto o preocupa.
Ademar
vive um momento difícil na sua vida pessoal devido ao divórcio, a divisão do
patrimônio construído em décadas de trabalho com a antiga esposa, a queda nos rendimentos e a "necessidade" de dobrar suas horas de trabalho. Para as amigas, Sueli sintetiza a situação de
Ademar:
–
Agora que está com quase 70 anos, quando achava que só iria aproveitar a vida, se
sente obrigado a recomeçar do zero e está inconformado. A situação repercute em
vários aspectos da sua vida, na mente e no corpo, e muitas vezes se acorda no
meio da noite e vai fumar na varanda, esquecido de que eu estou ali, com ele –
ela acentua.
Diante
da Zero Hora na minha frente, considerando as informações ao meu dispor, eu percebo que não tenho grande coisa a dizer a respeito da situação
política que vivemos, mas que posso fabular a respeito do bolsonarismo que me
cerca. Já escrevi tanto sobre esquerdistas que se sentem acossados pela
sociedade dominante (meu livro de contos Uísque sem gelo tem muito
disso) que é um bom mudar o foco (já fiz isso no meu romance Os
caminhos de Santa Teresa) e tratar dos direitistas que se sentem
perseguidos pelo Sistema e até fantasiam tomadas violentas do poder. Fantasias
insurrecionais que, felizmente, são amadoristicamente conduzidas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário