segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Coisas da política e da vida privada

 

Na sexta-feira, caminhei pelo centro de Porto Alegre e fui parar no Mercado Público. Provei uma pasta de grãos de bico, uma espumante de Vacaria e acabei comprando as duas coisas. Depois fui tomar um café, ler a Zero Hora e gostei dos comentários de Rosane de Oliveria a respeito das maquinações golpistas de Bolsonaro e seus generais.[1] Segundo a cronista, o amadorismo desses militares nos salvou de uma ditadura mais sangrenta que a de 1964. Mais sangrenta porque iniciaria com três assassinatos, o de Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes. Felizmente o troço desandou, a execução dos crimes não teve prosseguimento e agora está tudo vindo à tona.

A cronista da ZH considera que os fatos são estes, conforme o indiciamento da Polícia Federal – substancialmente comprovados –, mas contestados pelos bolsonaristas que acompanho nas redes sociais. Eles falam em “suposto golpe”, “narrativa falsa”, “argumentação jurídica ilegal”, “acusação inconsistente, pois o caminho do crime não foi percorrido, apenas pensado” e assim por diante.

No Mercado Público de Porto Alegre, diante do jornal aberto sobre a mesa e de uma xícara de café, eu lembrei de um bolsonarista conhecido (que vou chamar de Ademar) que esteve presente nos acampamentos na frente dos quartéis, endossou o chamamento por “intervenção militar” após a derrota eleitoral e acreditou que a manifestação de 8 de janeiro foi um ato político de protesto “desfigurado por militantes do MST infiltrados”. Um direitista de coração, com problemas de cognição e raso realismo político.

Pois Ademar se afastou da militância, centrou sua atenção na atividade profissional, mas não mudou de opinião e posição política. Nesta semana quebrou o silêncio e compartilhou postagens no Facebook denunciando a “farsa dos comunistas que estão instrumentalizando a PF e a mídia em geral”. Imagino que esteja impossível, vociferando indignações, e talvez enchendo os ouvidos de Sueli (a sua nova namorada) com suas informações e comentários oriundos dos grupos de WhatsApp. Sueli não comunga com o seu ideário político-ideológico, mas não contesta. Às vezes contrapõe uma coisa e outra, mas sempre com muita leveza, apenas para dizer que está ali, que tem uma voz. Os dois têm um relacionamento sem compromisso (Ademar e Sueli são de meia idade, ambos recém separados) e vão “devagar com o andor”, como dizem um para o outro. Sueli acha Ademar um homem de “cepa tradicional” e tanto gosta disso como às vezes se espanta. Ela não compartilha o mesmo ideário político, mas não contesta. Ele considera Sueli uma mulher ousada, às vezes "meio comunista", e tanto isso o fascina quanto o preocupa.

Ademar vive um momento difícil na sua vida pessoal devido ao divórcio, a divisão do patrimônio construído em décadas de trabalho com a antiga esposa, a queda nos rendimentos e a "necessidade" de dobrar suas horas de trabalho. Para as amigas, Sueli sintetiza a situação de Ademar:

– Agora que está com quase 70 anos, quando achava que só iria aproveitar a vida, se sente obrigado a recomeçar do zero e está inconformado. A situação repercute em vários aspectos da sua vida, na mente e no corpo, e muitas vezes se acorda no meio da noite e vai fumar na varanda, esquecido de que eu estou ali, com ele – ela acentua.

Diante da Zero Hora na minha frente, considerando as informações ao meu dispor, eu percebo que não tenho grande coisa a dizer a respeito da situação política que vivemos, mas que posso fabular a respeito do bolsonarismo que me cerca. Já escrevi tanto sobre esquerdistas que se sentem acossados pela sociedade dominante (meu livro de contos Uísque sem gelo tem muito disso) que é um bom mudar o foco (já fiz isso no meu romance Os caminhos de Santa Teresa) e tratar dos direitistas que se sentem perseguidos pelo Sistema e até fantasiam tomadas violentas do poder. Fantasias insurrecionais que, felizmente, são amadoristicamente conduzidas.



[1] OLIVEIRA, Rosane de. Golpistas deixaram rastros para todo lado. Zero Hora, 24/11/2024, p. 6.

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