Visitei o Palácio de Versalhes, nos arredores de
Paris, no mês passado, e o passeio ainda não me saiu da cabeça. Fiquei mais de
duas horas na fila, debaixo da chuva fina, e talvez isso tenha colaborado. Que expectativa!
Me senti personagem de filme, naquelas cenas onde a plebe ignara se comprime
diante das grades do Palácio Real e olha (furiosa, indignada e cheia de inveja)
a riqueza e o luxo dos poderosos.
Quando entrei no palácio, no entanto, errei o caminho.
Cabeça formada pelo cinema, disse para a minha companheira que fossemos pela
porta central (atravessando o Pátio de Mármore) e ela aceitou. No seriado que
vimos no Netflix, “Versalhes”, é por ali que o rei entrava... Mas isso no
seriado. Na verdade, os aposentos reais estavam à direita (Ala Norte), os
aposentos, a capela e a famosa Galeria dos Espelhos. E o que nos pareceu a
principal porta de ingresso é uma porta que conduz aos quartos das princesas (menos
impactante que as salas das alas norte e sul) e não o melhor percurso para
iniciar a visita.
Pois é, cometi um erro típico de quem tem a cabeça
formada pelo cinema (isto é, que tem mais presente na memória os filmes do que os livros de
História) e me dei mal. Mas logo acertei o passo, encontrei o roteiro certo e o
palácio se revelou na sua grandeza. É de encher os olhos. O absolutismo
monárquico era mesmo tudo o que diziam. Luís XIV e seus sucessores sugaram as
energias da nação, construíram maravilhas e o Terceiro Estado teve todas as
razões do mundo para se rebelar.
Mas pularei a parte do palácio (sobre o qual escrevi na crônica anterior e a respeito do qual há muito mais a falar) e irei
para os jardins. Se um dia tiver a oportunidade de visitar novamente Versalhes,
darei mais tempo aos jardins.
Caminhei do Parterre das Águas (os lagos logo atrás do
palácio) até o Petit Trianon (a residência particular de Maria Antonieta) e me
senti realizado. Havia caixas de som escondidas entre os arbustos e elas enchiam
o ar de uma música solene, com muito som de metais, que imaginei serem do
repertório de Haendel (o compositor de "Música Aquática" e "Música para os Fogos de Artifício Reais"), mas posso estar enganado. Seja como for eram músicas adequadas
para compor cenas majestosas, dessas que o Rei Sol protagonizava nos jardins.
Alameda central dos Jardins de Versalhes. Ao fundo, o Palácio. |
Nessa hora, andando pelos jardins do Palácio, era a
imaginação que me guiava. Estávamos na Fonte de Latona e convidei minha
companheira para sairmos da alameda central e nos enfiarmos pelos corredores
laterais, como talvez fizessem os aristocratas do passado. Avançamos por esses
caminhos, de alamedas cercadas por árvores (onde a música desaparecia e o
número de visitantes também) e ela me perguntou se eu sabia o caminho. Eu disse
que não, mas que encontraríamos. Era um jardim francês (da França racionalista
de Racine, pensei, e não um labirinto para iniciados), e o caminho iria surgir.
Surgiu.
Continuava caindo uma chuva fina e talvez por isso as
alamedas laterais estavam vazias e só se ouvia o farfalhar das folhas. Tive a
impressão de ver a Condessa de Lafayette (autora de “A Princesa de Clèves”)
conversando com Molière... mas isso na certa nunca aconteceu. Pura imaginação. Eles
foram contemporâneos (ao menos nasceram no século XVII), mas brilharam no mundo
literário em períodos distintos.
Minha companheira e eu andamos até o Petit Trianon,
entramos no “pequeno château” pouco antes dele fechar (a funcionária nos
avisando para entrarmos logo) e foi o melhor momento do dia. Uma dessas coisas
que a gente vive e não sabe explicar. Pequenos momentos de satisfação, talvez
de encontro com alguma fantasia, sei lá.
Olhei para minha companheira e tive certeza de que ela
estava contente. Comparado com Versalhes (mas só comparado, como se vê na foto
abaixo), o Petit Trianon é modesto e aconchegante (não tão cerimonial como o
Palácio Real) e acho que é isso que encanta.
Uma das salas do Petit Trianon. |
Naquele momento, tivemos a impressão de estarmos no
cenário dos amores privados de uma rainha que era obrigada a se sujeitar a um
casamento político. O território, o ambiente e o climão das cenas de histórias
de rainha que sempre nos fascinam.
Jardim privado do Petit Trianon. |
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