É com a expressão acima que o historiador Jacques
Wilhelm apresenta o famoso palácio de Versalhes no seu livro “Paris no tempo do
Rei Sol”. Nesse palácio, Luís XIV (que reinou entre os anos 1643 e 1715)
concentrou o melhor das artes do seu tempo – em especial, o melhor do espetáculo, do cerimonial e da pompa.
Em torno de Versalhes e também da sua figura, Luís XIV
fez girar o mundo francês. O Rei pretendia submeter a nobreza ao seu poder e,
para isso, passou a abriga-la ao seu redor, primeiramente no Louvre, em Paris,
e, quando isso não foi mais possível, num novo palácio, nos arredores da
capital.
Deu certo. A nobreza passou a gravitar em torno do Rei
e o mundo do espetáculo, das artes e do cerimonial foram instrumentos importantes
para dominar esse setor social que representava o maior obstáculo para a
consolidação do poder da monarquia. Como o Rei escreveu mais tarde (em "Instruções ao Delfim"), o
espetáculo é o melhor meio de prender o espírito e o coração das pessoas,
melhor até que recompensas e favores.
Paralelo a essa política do espetáculo, o Rei expandiu
a economia (por meio de forte dirigismo estatal), consolidou um poderoso exército
profissional, promoveu inúmeras guerras e colocou a França como potência hegemônica na Europa.
Escrevo as linhas acima como preâmbulo para falar do
passeio que fiz recentemente a esse palácio. Fiquei mais de duas horas na fila,
às vezes debaixo de uma chuva fina, e creio que foi essa memória glamurosa da
França – a da centralidade da arte e do refinamento – que me reteve ali. Quando,
ao final, entrei no palácio, devo confessar que fiquei impactado negativamente e não sei precisar o que foi. Talvez a precariedade de algumas salas, a ausência de móveis... Demorei a lembrar que por ali passara o
vendaval da Revolução de 1789, os saques, a transferência de importantes obras de artes (como a "Monalisa") e até o
leilão de objetos variados para financiar as tropas revolucionárias.
A Revolução Francesa é o nosso paradigma de ruptura
violenta da ordem sociopolítica e ali o Antigo Regime foi destruído a
marteladas e golpes de guilhotina. Em Portugal a mesma mudança se deu de forma menos violenta e isso se vê no
estado do Palácio de Queluz (construído a partir do modelo francês), muito
melhor conservado.
Por momentos, então, senti saudade da minha visita a
Queluz – menos grandioso, quase modesto se comparado a Versalhes, mas com muitos
móveis e objetos que remontam ao período em que foi construído. Com uma cara muito mais
simpática, arrisco dizer.
Engraçado o que um turista sente visitando os espaços
privilegiados da História. Em Versalhes, quis encontrar o fausto do Antigo Regime e senti, em primeiro lugar, os ecos da
Revolução que desmantelou essa estrutura de dominação construída pelo Rei
Sol. Custei para perceber os vestígios da antiga pompa imperial – a vitrina da
França tão meticulosamente construída por Luís XIV, como citei no início da crônica.
Mas percebi, claro, a grandiosidade da obra – curiosamente, não na famosa Sala dos Espelhos, mas na chamada Sala de
Hércules. Entrei e a pintura do teto ("Apoteose de Hércules") puxou meus olhos: o famoso herói grego numa carruagem,
no espaço etéreo, com a famosa clava na mão. Virei para uma das paredes e novamente um enorme quadro capturou minha atenção: um grandioso Veronese representando uma cena bíblica: “A ceia na casa de
Simão” – Cristo sentado diante de uma mesa, uma perna estirada para o lado e uma
mulher ajoelhada junto a ele, lavando o seu pé e secando-o com seus
cabelos.
Fiquei encantado. A recriação de cenas das mitologias
greco-romana e cristã com muita pompa e circunstância me pegaram. Tudo grandioso e
teatral, como mandava o figurino. Espetáculo para prender o espírito e o coração da elite francesa
(nobreza, alto clero, alta burguesia) e até de latino-americanos que se
aventuram no espaço europeu.
Sala de Hércules, com a pintura no teto, de Lemoyne, que dá nome ao local. |
Quadro de Veronese: "A ceia na casa de Simão". |
Detalhe do quadro de Veronese: uma mulher lava e seca os pés de Cristo. |
Só a visita dessa sala valeu o passeio. Da minha perspectiva,
estava comprovada intenção do Rei: um palácio para embasbacar, seduzir, ganhar
corações & mentes. Não sem razão a multidão plebeia fica horas na fila para
visitar o palácio, mesmo debaixo de chuva.
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