domingo, 3 de junho de 2012


Guerra contra a esquerda

Cláudio Guerra é um ex-delegado do DOPS e acaba de sair da cadeira, onde cumpriu pena de sete anos por atentado a um bicheiro. Na prisão, “conheceu Jesus” (hoje é pastor evangélico) e resolveu tornar pública a sua participação na guerra contra a esquerda brasileira, no período do Regime Militar. Cláudio Guerra se diz um ex-agente operacional clandestino, vinculado aos aparelhos de repressão do Estado, como o SNI e o DOI-Codi. Estava subordinado ao coronel Freddie Espigão Pereira e ao comandante Antônio Vieira, estes sim, ligado aos órgãos oficiais de repressão. Cláudio era apenas um operador, afirma, um matador e terrorista (colocou bombas no jornal O Estado de S.Paulo e numa estação de rádio em Angola, p.ex.). E diz jamais ter torturado.
Cláudio Guerra convidou dois jornalistas – Marcelo Netto e Rogério Medeiros – para organizarem seu depoimento e o resultado é o livro Memórias de uma guerra suja (Editora Topbooks, 2012, 290 p.). Os jornalistas deram corpo às memórias do ex-delegado, procuraram checar informações (nem sempre conseguiram) e o resultado é algo desconjuntado – mas instigante e desconcertante: a voz de um homem que operava à margem da lei. Com certo orgulho, Cláudio Guerra afirma ter feito o serviço que os militares de carreira não tinham competência para realizar. “A Delegacia de Roubos e Furtos e o DOPS, da Polícia Civil, tinham as melhores equipes para atuar no combate à esquerda, pelo conhecimento adquirido com investigação e espionagem de crimes comuns” (p. 93).
A partir de 1973, executou vários militantes da esquerda e auxiliou no desaparecimento do cadáver de outros tantos. Mas sem nunca torturar, reitera o ex-delegado. Quando Geisel e Golbery iniciaram a abertura política, participou de ações que contestavam a orientação "esquerdista” do governo. Seus comandantes consideravam Golbery um traidor, faziam oposição ao grupo que estava na Presidência da República e foram os responsáveis pela tentativa de atentado terrorista no Riocentro, em 1981.
A abertura, no entanto, foi vitoriosa e os quadros ligados à repressão obrigados a se rearranjarem. Alguns encontraram novo lugar na máquina do Estado, enquanto outros passaram a atuar nas organizações criminosas ligadas ao tráfico de drogas, na formação de milícias e no jogo do bicho (caso de Cláudio Guerra). “O know-how conquistado com o aparato do Estado agora serviria ao submundo do crime organizado”, diz o delegado (p. 194).
Um relato desconcertante, que os jornalistas apressaram por temerem um breve assassinato de Cláudio Guerra. Um depoimento duro e cruel – nem sempre confiável, arrisco dizer. Mas esclarecedor do que foi a guerra contra a esquerda brasileira, na perspectiva de um quadro ideologicamente comprometido (como ele afirma ter sido) aos grupos de extrema direita. Na visão desses grupos, até Golbery do Couto e Silva entrava na conta de esquerdista...

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