Alguns
historiadores da sexualidade afirmam que a sociedade burguesa criou um silêncio
em torno do que se passava dentro do quarto do casal. Um silêncio que perdurou até
a década de 1960, quando se deu (ou iniciou) a tal “revolução sexual”,
possibilitada pela difusão da pílula anticoncepcional.
É
um exagero colocar a pílula como fator determinante dessa transformação
comportamental a que chamamos de “revolução sexual”, afinal, o fator
tecnológico (como a criação de uma medicação) foi apenas mais um na série de
elementos que desencadearam as mudanças socioculturais dos anos 60. Mesmo
assim, vá lá, a pílula teve um impacto tremendo.
Nos
anos 70, as moças iam à farmácia para adquirir a primeira cartela de pílulas e
isso consistia em uma espécie de ritual de iniciação, um movimento para romper o
silêncio criado em torno da sexualidade. Encarar a “questão da concepção”, desvincular
o ato sexual da reprodução e se preparar para viver a sexualidade, a delícia
de “fazer amor”.
As
mães não podiam saber e os pais, muito menos. Geralmente era uma tia ou amiga
experiente quem orientava a moçoila nessa iniciação e o namoradinho, aquele que
seria o elemento “deflorador” (ainda se usava esse termo), pouco sabia da
novela toda.
Li
o pequeno livro de Mary Del Priore, “Histórias íntimas: sexualidade e erotismo
na história brasileira” (comentado na crônica anterior), e ainda estou tentando
entender as mudanças que ocorreram... Entre os sinais dessas transformações, a
aquisição da pílula.
Uma
antiga namorada me relatou como foi a sua ida até a farmácia para adquirir a primeira
cartela... e parece que vejo a cena. Ela e uma amiga, ambas “mortas de
vergonha”, de óculos escuros, na porta da farmácia, escolhendo qual a
funcionária as iria atender. “Vixe, como era complicado naquele tempo!”, ela comentou.
Não era mais necessário receita médica, mas parece que era preciso contar com a
compreensão do balconista. Um acontecimento e tanto.
O
rompimento do silêncio criado em torno do que se passava dentro do quarto do
casal? Sim, acho que não exagero. A maioria das filhas não sabia como suas mães
transavam, se elas já utilizavam a pílula, se continuavam na “tabelinha”, se
adotavam o diafragma ou outro método. Quanto aos rapazes, a ignorância era maior
– com a diferença de que alguns já tinham perdido a virgindade, mas geralmente com uma prostituta (num quarto
de cabaré ou, numa alternativa mais barata, com uma prostituta de calçada, de pé).
A
mãe de uma amiga (uma mãe extremamente católica) dissera a filha que na hora do
sexo cumpria as suas obrigações “como uma tábua”, sem sentir prazer algum (como
se isso fosse uma virtude) e a pobre da guria me contou isso estarrecida.
Ainda
vigorava o padrão criado no século XIX no qual as moças deviam ser inocentes e
puras, semelhante às heroínas dos romances de José de Alencar (que se lia
muito, ao menos eu li, no tempo de Ginásio), enquanto os rapazes deviam se
aventurar nos prostíbulos e deter algum conhecimento. Que tempos, vixe! De um
lado uma literatura exageradamente romântica, propagandeando uma postura
idealista em relação ao amor, de outro os “catecismos” do Carlos Zéfiro
versando sobre o mesmo assunto numa abordagem sacana, reduzindo o sexo a uma
“grossa putaria”.
As
moças envoltas em ares de virgindade, ignorantes a respeito da vida sexual, e
os rapazes colocados na posição daqueles que deveriam “saber tudo”, mas na
verdade lidando com informações muito rasas. Pobres rapazes! Sabíamos muito
pouco. Os maiores sortudos haviam tido alguma experiência com uma tia, prima ou
amiga mais velha, mas isso às vezes não adiantava grande coisa.
Uma
noite, num bar de posto de gasolina (nas imediações da Avenida Farrapos), ouvi o
relato de uma noite de núpcias na qual o noivo rasgara o vestido da noiva e a
possuíra “sem frescuras”. Aquilo era brutal, mas também fascinante. Coisa de
macho. Do ponto de vista masculino, não era completamente condenável. Comentámos
que aquele não era o modelo ideal de tratar uma noiva, mas certamente uma alternativa. “As mulheres são cheias de dengues e não dá pra afrouxar”, avisavam
os mais velhos. Era preciso firmeza para cumprir o papel de homem na primeira
noite de casamento.
Que
tempos aqueles, vixe! Éramos os figurantes de uma geração que deixava de se relacionar regularmente com prostitutas, que começava a transar com as namoradas, no entanto esbanjávamos ignorância a respeito de como fazermos isso...