Assisti a minissérie “Adolescência” e fiquei
impressionado com o personagem principal: o menino de 13 anos de idade que
esfaqueia a coleguinha de escola. A princípio entendi que o motivo do
assassinato era o fato da menina ter esnobado e humilhado o rapazinho de cabeça
quente, mas logo descobri que o buraco era mais embaixo. O crime não decorreu
apenas da fúria do gurizinho rejeitado, mas foi alimentada por uma subcultura
extremamente machista e antifeminista de ampla circulação nas redes sociais. Uma
subcultura que, mais do que a família e a escola, é o que faz a cabeça de
muitos adolescentes contemporaneamente. A minissérie é ambientada no Reino
Unido, mas tudo indica que pode ser ampliada para o mundo ocidental em geral (o
mundo formatado pelo universo da Internet).
Eu não fazia ideia da abrangência desses “discursos
de ódio” em relação às mulheres divulgado por influencers do tipo de Andrew
Tate, citado na minissérie e que eu nem sabia da existência. Sou um velho de 69
anos sem muito treino nas redes sociais. Utilizo o Facebook, me atrapalho com o
Instagram e não participo de fóruns de debates on-line ou coisas do gênero
(apesar de manter um blog de crônicas).
Dessa maneira, como sujeito despreparado no
universo alucinante da Internet, foi fundamental para eu entender a minissérie
a cena apresentada no segundo episódio, no qual o policial que investiga o crime recebe uma verdadeira aula do seu filho a respeito do que rola no
Instagram e faz a cabeça da meninada da escola. Isto é, o filho do policial (que
estuda na mesma escola do menino assassino) explica ao pai o que é a cultura
machista e antifeminista que circula fora do radar dos pais e professores. Apresenta
(didaticamente) o caldo cultural que serve para o menino e seus amigos
articularem as suas dificuldades de identidade e comportamento sexuais. A
gurizada acredita numa bizarra crença na qual as mulheres só se interessam por
20% dos homens, deixando os outros 80% chupando o dedo, e reage violentamente
em relação a isso. Uns rapazes que sentem a sua masculinidade colocada à prova
e entendem que precisam enfrentar essas mulheres que os desprezam, puni-las
inclusive. Mostrar valentia. Usar armas para assustar. Faca, como a que é
utilizada pelo assassino, que, segundo relato do amigo que empresta a arma, seria
utilizado para ameaçar e não para matar.
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Cena de "Adolescência": o inspetor policial recebendo uma aula do seu filho a respeito do que rola nas redes sociais. |
Mundo cão. Os rapazes em formação, preocupados com
a sua macheza (“Sou atraente ou não para as mulheres?”), alimentados pela tal
teoria dos 80/20, se sentem acuados e metem os pés pelas mãos. É o que acontece
com o gurizinho de 13 anos. Seu sentimento de desvalia diante da menina que o
faz de “corinho” (na linguagem dos anos 60 e 70; bullying na expressão atual)
se articula com a cultura machista e antifeminista e dá no que dá: uma reação violenta
que resulta em assassinato. O antifeminismo legitima a raiva que ele sente e o
guri nem percebe que se torna um criminoso. Só cai a ficha após meses de
cadeia e a proximidade do julgamento. Demora para o menino se perceber um assassino.
Penso que nenhum espectador sai o mesmo depois de
assistir à minissérie. A emancipação feminina abalou as estruturas da sociedade
tradicional, está reorganizando os papéis de gênero, mas muitos de nós não
imaginavam que tantos homens fossem reagir a isso de modo tão violento. É esse
caldo cultural (a revolução feminista, seus desdobramentos) que abala o
personagem central da minissérie, um frágil e furioso adolescente acossado pelas
transformações comportamentais. Fúria e fragilidade que encontra nos “discursos
de ódio” um modo de se expressar. (O terceiro episódio, o da sessão do jovem
assassino com a psicóloga, evidencia a fúria do frágil adolescente. Sua
pergunta final, se ela gosta ou não dele, escancara a sua carência. Uma
verdadeira cena de horror psicológico.)
A minissérie só não precisava pegar tão pesado com
os pais, como ocorre no último episódio. Os velhos não merecem mais essa
lambada. Já nos sentimos responsáveis demais pelas angústias e descaminhos da juventude.