Sou desses viajantes que não largam a máquina
fotográfica. Vou registrando quase tudo o que vejo e muitas vezes caminho e já
vou pensando no melhor ângulo. Olho, observo, planejo as fotos, e depois volto
para clicar. Mas às vezes deixo passar. Simplesmente observo o local, a
paisagem ou o ambiente, muitas vezes incomodado por alguma coisa.
Pois foi justamente isso que aconteceu, quando
visitei o principal palácio do antigo Império Otomano (o Palácio Topkapi, em
Istambul, em 2022), e adentrei o espaço dos eunucos negros, o primeiro pátio do
harém (um complexo de 400 quartos). Me deparei com os alojamentos desses
escravos mutilados... e paralizei. Um cartaz indicava a sua importância no
local: guardas e administradores das esposas, concubinas e odaliscas do
soberano. Lembrei que, além do sultão, nenhum outro homem adentrava o recinto e
eles garantiam isso. Uma navalha cortara os seus pênis e testículos, e dessa maneira eles transformavam em confiáveis e o sultão não os temia. Deixavam de ser uma ameaça e se transformavam
no quê, esses homens mutilados?
Os demais eunucos (os eunucos brancos, que também exerciam
funções de guarda e administração em outros espaços do palácio, menos
importantes que o harém) não sofriam uma castração tão radical. Perdiam os
testículos, ficavam com o pênis e há quem diga que alguns conseguiam ereção, em
casos muito especiais.
Jogos de poder não são brincadeira. Ao se
constituírem estraçalham corações, mentes e até corpos. Uns perdem as bolas;
outros, as bolas e o pau.
Os eunucos negros eram trazidos da África (Sudão,
Etiópia e Egito); os brancos, da região do Cáucaso (Geórgia e Armênia); e tinham tratamento diferenciado.
Pavorosa, a história dessa gente. A dos negros,
então, terrível. Eles tinham sido meninos no Sudão e na Abissínia, escravizados
e submetidos a essa “cirurgia” na puberdade (geralmente no Egito), cortados com
navalhas de pouca precisão, “anestesiados” com álcool, ópio e compressas frias,
cauterizados com ferro em brasas, e corrido o risco de morrer de infecção ou
hemorragia (o que acontecia com 70 a 80% dos jovens aprisionados). Os que
sobreviviam eram levados a Istambul, ganhavam voz fina e geralmente ficavam
obesos e disformes (neste último caso, devido ao desenvolvimento anormal dos
ossos).
Alguns se tornavam chefes da guarnição dos eunucos e
adquiriam um poder que os ombreavam a vizires e generais. Houve casos de
eunucos poderosos e famosos, como Beshir Agha (durante o reinado do sultão Mahmud
I, entre 1730 e 1754), mas a maioria apenas serviu ao sultão, engordou, rezou
(eles se tornavam muito religiosos) e aprendeu a urinar de modo pouco natural
para um homem. Pessoas mutiladas.
Foi essa história que me horrorizou e paralisou
naquele pátio do Palácio Topkapi. Não fotografei o local. Pulei essa parte e a
relembrei outro dia, quando pensava a respeito desses terrores masculinos: os
da castração e que muitas vezes se efetivaram ao longo da História, na China,
na Igreja Católica (para preservar as vozes agudas dos meninos, nos corais) e
também no Império Otomano.
No episódio do passeio turístico pelo Topkapi, logo superei o
espanto e as reflexões sombrias, pois o local é belíssimo. E, no imenso labirinto
que é esse complexo palaciano, me deparei com um a salão imperial (com destaque para o trono), de decoração luxuosa e primorosa, utilizado tanto para cerimônias
oficiais quanto para o entretenimento das mulheres e do sultão. Que deviam se
divertir às pencas naquele local, protegidos por homens negros mutilados, sem
pênis nem testículos.
Salão imperial. Palácio Topkapi, em Istambul. |
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