Almeida
Júnior pintou o quadro abaixo – “Leitura” – em 1892. É uma cena paulistana,
segundo os historiadores da arte. Alguns chegam a identificar o Teatro São
José, ao fundo, que se localizava próximo à Rua da Glória, em São Paulo,
próximo também ao atelier do artista. O quadro também evidencia o engajamento
do pintor à causa dos republicanos que ocupavam o governo do estado de São Paulo,
preocupados com a educação das mulheres.
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"Leitura" (1892), de Almeida Júnior. |
As
mulheres dominavam apenas os rudimentos das letras, naquela época, e as novas
autoridades estavam interessadas em incrementar a educação feminina. No quadro,
uma moça mergulha na leitura de um livro e indica o seu rompimento com a
postura tradicional das mulheres (mesmo de elite) de não realizar leitura de
livros. A moça é uma mulher avançada, moderna, mas seu repertório de leitura
seguramente era aquele indicado pelos pais e pelo marido. Não é uma mulher
independente, segundo essa interpretação.
Nesse
aspecto, cabe assinalar a cadeira vazia ao lado da jovem leitora. Sobre a cadeira
há uma vestimenta de homem a indicar uma figura
masculina que se faz ausente, mas que provavelmente a observa e registra a
cena.
Existe
também uma discussão a respeito de quem é a modelo: Rita de Paula Ybarra (a
companheira com a qual o pintor teve um filho) ou Maria Laura (casada com um
primo e com a qual o artista teve um caso por longos anos). Tudo indica que se
trata de Rita de Paula, devido às fotografias que existem dela. São muito
parecidas e podem ser encontradas no Google. A hipótese de a modelo ser a
amante não tem muito fundamento – se bem que há certa semelhança entre uma foto
da moça (também encontrável no Google) e a modelo.
A
hipótese da amante ganha relevo, no entanto, quando pensamos que o caso entre
os dois durou muito e as cartas da moça, encontradas pelo marido, revelam
paixão intensa. Logo após a descoberta das cartas o marido trata de se separar
da esposa e mata o pintor, em 1899. O crime se dá em Piracicaba (onde o marido
era conhecido cafeicultor) e nessa mesma cidade ocorre o julgamento. Os jurados
entendem que o autor do crime estava privado dos sentidos e da inteligência
quando esfaqueou o artista e o inocentam.
Quatro
anos antes do assassinato, em 1895, o quadro fora negociado pelo artista junto
às autoridades paulistas e adquirido pelo Estado de São Paulo. Hoje se encontra
na Pinacoteca do Estado de São Paulo e foi lá que eu o vi e revi, em lugar de
honra. É um grande quadro, de um dos principais artistas paulistas.
Outro
dia reparei numa reprodução desse quadro – na parede do consultório do
psiquiatra – e o associei a viúva Noronha, personagem do romance Memorial de Aires, de Machado de Assis. Engraçada a associação... Estávamos conversando
sobre o mundo das elites, olhei o quadro e lembrei do Machado, do seu retrato
das elites do segundo reinado... Só me dei conta de que fizera uma associação
equivocada (pelo menos quanto à geografia) quando saí do consultório.
“Leitura”
é uma cena paulistana, apenas contemporânea ao mundo retratado por Machado no Memorial... (ambientado nos anos 1888 e 1889, no Rio de Janeiro). Seja como for,
também retrata o universo dos ricos e talvez eu não tenha errado tão feio. Mas sei
lá qual o motivo de associar o quadro “Leitura” a um romance de Machado. Talvez
uma dessas voltas inexplicáveis do nosso pensamento, prezado leitor, e que nem
convém investigar.
A
vida tem se tornado tão inexplicável e tão desnecessário explica-la, que eu
apenas registro as voltas que ela dá. Procuro formatar esses pensamentos no gênero
crônica (é o que eu tenho, o que sei fazer) e deixo-as voar à cata de
leitores.
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